Lei Orgânica desmente o veto: projeto é constitucional e poderia ter sido aprovado
Um projeto simples, sem custos para o município e com o objetivo de reconhecer empresas que incentivam o esporte local, se transformou em mais um capítulo da disputa de poder entre Executivo e Legislativo em Cordeirópolis. O Projeto de Lei nº 41/2025, que instituía o “Selo Empresa Amiga do Esporte”, foi vetado pela prefeita e vereadores sob a alegação de “vício de iniciativa”, argumento que à luz da própria Lei Orgânica Municipal não se sustenta.
O que diz a Lei Orgânica
Segundo o Artigo 48 da Lei Orgânica do Município, é de competência dos vereadores a apresentação de projetos de lei, sejam eles complementares ou ordinários.
“A iniciativa dos projetos de lei compete ao vereador, à comissão da Câmara, ao Prefeito e aos cidadãos.”
Já o Artigo 49 delimita as matérias que são de iniciativa exclusiva do Prefeito, restringindo-se a assuntos como:
“Criação e extinção de cargos, funções e empregos públicos na administração direta e autárquica; estruturação das Secretarias Municipais; regime jurídico e estabilidade dos servidores.”
Ou seja, apenas quando um projeto cria cargos, altera a estrutura administrativa ou gera despesa obrigatória é que se configura o chamado “vício de iniciativa”.
No caso do “Selo Empresa Amiga do Esporte”, o texto apenas reconhece, de forma simbólica, empresas que apoiam o esporte local, sem criar obrigações ou custos ao Executivo. O projeto, portanto, não fere a autonomia administrativa da Prefeitura o que torna o veto questionável.
Análise da Lei Orgânica
O Martello News analisou a Lei Orgânica de Cordeirópolis e com ajuda de especialistas, constatou que projetos como o Selo Empresa Amiga do Esporte não configuram vício de iniciativa, como alegado no veto. O texto legal prevê que o Legislativo tem competência para propor homenagens, denominações de ruas, títulos e selos honoríficos, desde que não gerem despesas nem criem cargos exatamente o caso do projeto vetado. Assim como ocorre em leis que concedem títulos de cidadão cordeiropolense ou instituem medalhas de mérito esportivo, o selo apenas reconhece o mérito social de empresas locais, sem interferir na gestão do Executivo. O veto, portanto, evidencia um ato de natureza política, não jurídica, e reforça o cenário de tensão entre os poderes municipais.
O Martello News já havia publicado uma reportagem detalhada sobre o projeto “Selo Empresa Amiga do Esporte”, explicando seus objetivos e benefícios para o incentivo ao esporte local. Na ocasião, destacamos como a proposta buscava valorizar empresas que apoiam atletas e projetos esportivos no município.
Clique aqui para ler a matéria anterior e entender toda a trajetória do projeto.
Dois pesos, duas medidas
O ponto mais curioso é que, em 2024, a própria Câmara, reforçando que o atual presidente da Câmara, aprovou, e o Executivo sancionou o Projeto de Lei nº 25/2024, de autoria do mesmo vereador, Diego Fabiano, que instituiu o “Selo Empresa Amiga da Juventude” no mesmo formato. Nenhum questionamento de “vício de iniciativa” foi feito na época, até mesmo por ser constitucional.
A incoerência revela que o veto de agora parece ter menos a ver com legalidade e mais com contexto político. O mesmo modelo de projeto foi aceito quando conveniente e rejeitado quando partiu da oposição, um retrato clássico da seletividade que tem marcado a relação entre os Poderes locais.
Quando o jurídico vira escudo político
Após o veto, o procurador jurídico do Executivo publicou nota nas redes sociais afirmando que o veto teria sido “estritamente técnico e jurídico”, sugerindo até que o texto teria sido “copiado de outros municípios sem as devidas adequações”.
No entanto, a análise da Lei Orgânica mostra o contrário:
- o projeto é de natureza legislativa legítima,
- não gera impacto financeiro,
- nem interfere na estrutura do Executivo.
A declaração de que o jurídico da Câmara “agiu com seriedade” só ampliou o clima de tensão, uma “crítica” pública incomum entre órgãos que, em tese, deveriam atuar com independência e respeito institucional.
A “guerra do poder”
O episódio escancara o que muitos nos bastidores chamam de “guerra do poder”. De um lado, um Executivo que demonstra resistência a aprovar iniciativas de adversários políticos; de outro, uma Câmara que, diante do veto, preferiu recuar e aprovar a decisão da prefeita, mesmo após o projeto ter sido considerado constitucional em parecer jurídico interno.
Enquanto o discurso oficial tenta justificar o veto sob um suposto tecnicismo jurídico, o que se vê, na prática, é um embate político travestido de formalidade legal.
E no fim das contas, quem perde é a população e o esporte local, que deixam de contar com uma ação simples, de incentivo e valorização barrada não por ilegalidade, mas por ego e disputa de espaço.
Conclusão:
O caso do Selo Empresa Amiga do Esporte mostra que a política em Cordeirópolis tem ido muito além do debate técnico. Mesmo o jurídico do Executivo, ao criticar o jurídico da Câmara, deixa transparecer que a questão ultrapassou os limites do campo legal.
O que se desenha, mais uma vez, é um cenário em que a “guerra do poder” fala mais alto do que o interesse público, atinja a quem for.

